Fundada em 1979, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) está comemorando 40 anos de trabalho na defesa dos interesses dos jornais brasileiros. O Portal IMPRENSA aproveitou a ocasião para entrevistar o presidente da entidade, Marcelo Rech, sobre os eventos programados para celebrar esse aniversário, que incluem a vinda da jornalista filipina Maria Ressa, símbolo mundial da liberdade de expressão, para ser palestrante de honra da cerimônia de entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, que será realizada em novembro, no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, Rech também analisa os desafios vividos pelos jornais brasileiros em tempos de fake news, queda nas receitas publicitárias e constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro ao trabalho da imprensa. Por fim, mas não menos importante, o presidente da ANJ comenta os impactos da MP 892, que prevê o fim da obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas nos jornais impressos.
Portal IMPRENSA – Como está sendo a comemoração dos 40 anos da ANJ?
Marcelo Rech – A entidade foi fundada em pleno regime militar, com a defesa da liberdade de expressão entre seus fundamentos. Então, é esse valor que estamos reforçando por ocasião dos nossos 40 anos, em uma série de eventos e manifestações. Capitaneados pelo Palavra Aberta, fizemos um evento na Câmara dos Deputados para celebrar o Dia Mundial da Liberdade de Expressão. O Senado, por requisição do senador Lasier Martins, que também é radialista e jornalista, acolheu em agosto uma sessão em homenagem aos 40 anos, quando todas manifestações celebraram e valorizaram o princípio da liberdade de imprensa, além da defesa do jornalismo como contraponto à desinformação. Em outubro, promoveremos uma conferência para discutir as principais tendências de combate à desinformação e em novembro, durante o Digital Media Latin American, no Rio, faremos a entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa. Convidamos a publisher filipina Maria Ressa, que é um dos símbolos mundiais de defesa da livre expressão, para a ser a palestrante de honra do evento.
Portal IMPRENSA – Quais os principais desafios da ANJ?
Marcelo Rech – Temos muitos, mas eu diria que, além do tema da liberdade de expressão, é o da valorização do jornalismo profissional junto a anunciantes. Jornais não são apenas edições impressas. Jornais são as plataformas de comunicação mais abrangentes – com difusão de conteúdos de qualidade conforme a linguagem mais apropriada, tempo e forma de consumo – do meio impresso às redes sociais. Esse portfólio de informação, sob uma mesma marca de credibilidade, ainda é subaproveitado pela publicidade. Quando se para pra pensar que o negócio do futuro não são apenas métricas, mas sobretudo a confiança – nas métricas e nos conteúdos – os jornais estão muito bem posicionados para colher os frutos de uma atividade assentada sobre informação confiável.
Portal IMPRENSA – Comentando a MP 892, que prevê o fim da obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas nos jornais impressos, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Valor Econômico vai fechar. Como a imprensa deve lidar com esses ataques quase que diários?
Marcelo Rech – Todo governo se sente injustiçado pela imprensa. É um fenômeno histórico e universal, até porque governos são transitórios e não acompanham a cobertura da imprensa pelo mesmo ângulo de quem já viveu antes as dores do poder. A diferença é como lidam com as críticas e eventuais notícias negativas. Há os que as assimilam e compreendem o papel da imprensa e os que reagem negativamente, imaginando complôs e conspirações. À imprensa profissional não cabe mudar seu foco de busca da verdade e da pluralidade em razão da postura de governos, sejam eles quais forem. Nossa obrigação é retratar a realidade, ir o mais fundo possível nos fatos e proporcionar diferentes visões sobre temas controversos. Gostem os governos ou não, nosso compromisso final é com a verdade e a sociedade. A história mostra que os governos, mesmo as ditaduras, passam e a imprensa profissional, independente e de qualidade, permanece ou renasce como um baluarte da democracia e da liberdade.
Portal IMPRENSA – O senhor acredita que o momento atual é um dos mais desafiadores para a imprensa no Brasil?
Marcelo Rech – Sem dúvida. Além dos ataques sistemáticos do presidente e de seus seguidores mais fanáticos, que buscam enfraquecer a imprensa profissional, a drenagem de recursos publicitários para o duopólio digital e uma economia estagnada dificultam a expansão e mais investimentos. Em contrapartida, em todo o mundo começa a haver um renascimento da valorização do jornalismo profissional como contraponto aos ataques e à desinformação que vem acoplada a eles. O fato de o The New York Times, um dos veículos mais atacados pelo presidente Trump, ter ultrapassado 3 milhões de assinantes, o triplo de sua base impressa pré-internet, é revelador do desejo e da necessidade de a sociedade consumir informação confiável. Os jornais nunca foram tão desafiados, mas, ao mesmo tempo, nunca vivemos um tempo de tantas oportunidades de valorização do jornalismo profissional. Um logotipo que sedimentou uma marca de confiança ao longo de décadas tem um valor inestimável neste novo mundo onde, em tese, qualquer um pode produzir e distribuir informação e desinformação.
Portal IMPRENSA – Em meio à propagação de fake news, como a imprensa deve manter e atrair os leitores?
Marcelo Rech – Devemos ser ainda mais explícitos ao fato de veículos profissionais se posicionarem como contrapontos à desinformação. Estamos indo para a Fake News 2.0, baseada em inteligência artificial e tecnologia capaz de simular um discurso falso de um político ou governante, por exemplo. Se não tomarmos atitudes agora de proteção e valorização do jornalismo profissional, vamos assistir a um apocalipse da realidade, com consequências ainda mais sérias para a sociedade. O fato é que a produção de conteúdos confiáveis tem um custo, que vai da manutenção de equipes profissionais e cada vez mais especializadas ao atendimento das necessidades legais de qualquer empresa. A busca da verdade não é gratuita. Ou é custeada por anunciantes ou por assinantes – ou ainda por contribuintes, como no caso de alguns poucos veículos. O que cai do céu, ou das redes sociais, deve ser visto com muita desconfiança.
Portal IMPRENSA – As pessoas se informam cada vez mais por meios digitais. O jornal impresso vai acabar e seu conteúdo deve migrar para a internet?
Marcelo Rech – Quem vai dizer isso é o consumidor de informação. O negócio central dos jornais não é a impressão de papel – embora, naturalmente, também possam se oferecer serviços gráficos. O coração da atividade é a produção de conteúdos confiáveis e sua difusão pelas plataformas que melhor atenderem as necessidades e conveniências do público. No entanto, o papel cumpre e cumprirá uma missão por muito tempo ainda. Ele é um meio que concentra a atenção e permite uma desintoxicação dos excessos de interrupção digital.