Estado vê risco em ocupações irregulares e culpa prefeituras

Entrevista: Alberto Goldman
O governo do Estado cobra das prefeituras rigor no combate à ocupação desordenada de encostas de morros e várzeas de rios e córregos, fator que agrava as consequências das chuvas de verão, multiplicando as áreas de risco e dificultando a adoção de medidas preventivas a enchentes e deslizamentos de terra.

A reprimenda é feita pelo vice-governador, Alberto Goldman (PSDB), que concedeu entrevista exclusiva à Associação Paulista de Jornais (APJ). Para ele, a rede de Defesa Civil mobilizada de forma permanente e o monitoramento do nível das represas são medidas incapazes de evitar inundações na estação mais úmida do ano, dada a velocidade em que as zonas de preservação ambiental são invadidas.
“Inevitavelmente você vai ter algum tipo de inundação porque nem todos os municípios questão abaixo das represas controlaram a ocupação urbana às margens dos rios. Infelizmente, você tem na maioria das cidades áreas ocupadas irregularmente, áreas da várzea do próprio rio”, diz Goldman.
Na avaliação do vice-governador, a onda de ocupações irregulares ‘desafia a natureza’ e abre precedente para tragédias. “Estas áreas não podem ser ocupadas, são áreas do rio. São áreas de propriedade de ninguém, são de propriedade da natureza, da sociedade. Não é propriedade privada, ninguém pode ocupar. Em um momento em que você tem um índice pluviométrico alto, as águas se espalham por estas várzeas. Isso é da natureza”.

O tucano diz que o mapeamento de áreas de risco é eficiente, mas cabe ao poder público municipal deter o ímpeto da especulação imobiliária. “Você sabe exatamente onde não pode construir, pois apresenta risco. As prefeituras têm estes elementos, mas não cuidam muito de evitar as ocupações. Até mesmo porque têm dificuldade de evitar, pois elas são irregulares e, às vezes, violentas.”

Goldman sustenta, todavia, que o Estado dispõe de recursos materiais e humanos para socorrer quaisquer cidades que enfrentem situações de emergência ou calamidade pública, mesmo que tal ajuda exige remanejamento orçamentário. “Não há hipótese de o Estado deixar qualquer cidade órfã em qualquer calamidade.

Temos apoio e damos recursos para que se façam obras e obras preventivas também.”

Associação Paulista de Jornais – Quais as principais frentes em que o Estado age para prevenir os danos provocados pelas catástrofes naturais, especialmente as chuvas?
Alberto Goldman – O Estado tem um órgão da Secretaria de Energia e Saneamento, que é o Departamento de Águas e Energia Elétrica. Ele é responsável pela prevenção de enchentes. O trabalho do Daee é apoiar municípios na elaboração dos planos diretores de macrodrenagem. São planos de responsabilidade dos municípios e o Daee fornece recursos e dá apoio técnico para as prefeituras. Só em 2010 temos um repasse de recursos expressivo. Tanto repasses como obras de desassoreamento de rios e córregos. Nos últimos três anos, foram R$ 755 milhões.

APJ – Quais obras?
Goldman – O governo do Estado construiu, por exemplo, 45 piscinões. O plano de macrodrenagem prevê mais 100 piscinões.

APJ – A solução dos piscinões é aplicável a qual perfil de município? Pequenos, médios, grandes?
Goldman –
Qualquer município onde você precise fazer a retenção de água. O piscinão funciona como se fosse uma barragem. Usa para evitar que a água chegue a uma cidade repentinamente. O piscinão é uma barragem enterrada, que absorve uma parte desta água, dando tempo para o escoamento.

APJ – Como é feito o monitoramento dos níveis dos reservatórios, das represas?
Goldman –
As barragens têm múltiplas funções. No caso da Sabesp, são para abastecimento de água. No caso da Cesp, têm função hidrelétrica. Ao mesmo tempo, todas têm função de regulação dos rios, evitando eventualmente que você tenha um volume repentino. A Sabesp, a Cesp e o Daee procuram controlar de maneira que você não tenha nem água demais nem água de menos no rio. Essa regulação é feita com absoluto acompanhamento. Diário. Há um sistema de monitoramento.

APJ – Há situações que inspiram cuidados neste momento, como na região de Atibaia, Bragança Paulista?
Goldman –
Nenhuma situação é grave, pois as barragens têm vertedouros e, na medida em que alcança limite máximo, a água não é mais retida. Sai naturalmente. Normalmente você tem o controle desta altura dos reservatórios, mas quando você tem uma época de grandes índices pluviométricos, você fica sem muita alternativa, pois você chega ao limite máximo e aí não tem jeito. Algumas barragens já estão vertendo água. Isso, aí sim, você tem que ter um plano de contingência para os municípios que estão abaixo da barragem para que eles se preparem para, eventualmente, que eles recebam o volume de água que a barragem não consegue mais segurar.

APJ –
Este plano vigora nos municípios mais vulneráveis?
Goldman –
Em todos os municípios. A gente faz reuniões com as Defesas Civis municipais orientando e conscientizando a situação. Todos acompanham as operações das represas e ficam sabendo de descargas maiores de água e, portanto, cuidando das populações das
águas que vão ser inundadas.

APJ – As ferramentas de mobilização das diversas secretarias em situações de calamidade pública são operacionais? Há agilidade no acionamento desta rede? Em quanto tempo, em média, é possível efetivar esta conexão entre as pastas? 
Goldman –
A rotina é, nas épocas de chuvas, a Defesa Civil reunir as populações em áreas passíveis de inundações. Alerta e mantém uma relação permanente. O Estado verifica se precisa ajudar na remoção de famílias. O Estado ajuda até mesmo com aluguel. Os bombeiros, por exemplo, são acionados rotineiramente. Mas há casos realmente em que os municípios não conseguem enfrentar estas situações. Como é o caso, agora, de São Luís do Paraitinga, em que montamos uma força-tarefa para dar um choque e enfrentar um fenômeno da natureza muito profundo como foi esta tromba d’água. Inevitavelmente você vai ter algum tipo de inundação porque nem todos os municípios que estão abaixo das represas controlaram a ocupação urbana às margens dos rios. Infelizmente,
você tem na maioria das cidades áreas ocupadas irregularmente, áreas da várzea do próprio rio.

APJ – É possível impedir esta ocupação desordenada?
Goldman –
É possível e tem que ser impedida. Quem tem este papel é o município. Agora está se adquirindo uma consciência maior. Estas áreas não podem ser ocupadas, são áreas do rio. São áreas de propriedade de ninguém, são de propriedade da natureza, da sociedade. Não é propriedade privada, ninguém pode ocupar. Em um momento em que você tem um índice pluviométrico alto, as águas se espalham por estas várzeas. Isso é da natureza.

APJ – E no caso das encostas de serras, o Estado tem a atribuição.
Goldman –
Sim e estamos tirando. Estamos tirando as pessoas das encostas de Serra de Cubatão, por exemplo. Elas estavam instaladas em regiões de proteção, em áreas de risco.
As prefeituras não deviam permanecer e às vezes causam tragédias, como temos visto recentemente.

APJ – O mapeamento de áreas de risco é eficiente?
Goldman –
Isso tudo é conhecido. Você não tem dificuldade em saber, por exemplo, as áreas passíveis de enchentes. É verdade que, com décadas e décadas, isso muda. Tem as mudanças climáticas, as mudanças de cursos dos rios, dos níveis de assoreamento, do nível de impermeabilização do solo. Com o tempo, as coisas mudam, mas você pode saber os níveis de inundação, onde, abaixo deles, você não pode construir nada. Assim como nas encostas. Você sabe exatamente onde não pode construir, pois apresenta risco. As prefeituras têm estes elementos, mas não cuidam muito de evitar as ocupações. Até mesmo porque têm dificuldade de evitar, pois elas são irregulares e, às vezes, violentas.

APJ – Os investimentos públicos feitos na manutenção de estradas (sob jurisdição do DER e as vicinais) parecem insuficientes em todo o período de chuvas. O Estado já aumentou o gasto neste tipo de operação. O senhor, que tem grande conhecimento da malha rodoviária paulista, avalia que este tipo de medida equivale a ‘enxugar gelo’? Há alguma ação oficial que consiga fazer frente à demanda com mais celeridade?
Goldman –
Não adianta. Tem que ser permanente. Você tem a estrada asfaltada que, sob efeito das águas, acaba se deteriorando mais rapidamente. Então, você tem que ter atenção permanente. Nas estradas de terra, também. A manutenção das estradas é um trabalho permanente. Deveria ser feito pelas prefeituras também, no caso das vicinais. No caso das SPs, não, é o Estado mesmo. Mas o Estado acaba fazendo tudo. Agora mesmo estamos fazendo uma licitação para manutenção das vicinais em todo o Estado. Deveria ser o município, mas ele não faz e acaba recaindo sobre o Estado. Acabamos gastando mais dinheiro para reconstruir uma estrada do que se ela estivesse sido mantida.

APJ – Como o senhor avalia o fato de ambientalistas apontarem um suposto desmonte dos mecanismos de fiscalização de obras que avançam sobre áreas de preservação e uma eventual leniência no licenciamento? A extinção do DPRN, por exemplo, prejudicou este
trabalho? Há quem aponte que a terceirização de alguns serviços neste segmento é uma medida de risco.
Goldman –
O DPRN era um órgão de liberação de licenças para exploração mineral e tal. O que se faz foi o contrário, se juntou vários órgãos que existiam sem muita coerência entre si e formou-se a Cetesb Ambiental. Hoje facilita muito para a pessoa que precisa ter uma autorização. E a Cetesb Ambiental tem melhores condições de fazer a fiscalização daquilo que lhe cabe. Não vamos confundir as atribuições. O que é do Estado e das prefeituras. As ocupações urbanas são de responsabilidade do município. A preservação é responsabilidade do Estado e do município. Não dá para o Estado fazer o controle das ocupações urbanas, não cabe a ele, cabe ao município.

APJ – O Estado dispõe de ferramentas? Estão mais rigorosas?
Goldman –
O que estamos estudando é o uso de mecanismos mais modernos de acompanhamento e fiscalização ambiental. Hoje é feita quase ‘in loco’. Agora estamos procurando utilizar levantamentos através de satélite para que o trabalho seja mais eficiente.

APJ- Especificamente para as cidades que venham a ser atingidas por enchentes e deslizamentos, o governo do Estado dispõe de recursos financeiros para o socorro imediato e as obras de reconstrução? Qual o montante para este apoio em casos emergenciais?
Goldman –
Quando decreta calamidade, o município remete ao Estado. O Estado verifica, homologa e dá todo o apoio. Quanto maior a necessidade, maior o apoio. Não há hipótese de o Estado deixar qualquer cidade órfã em qualquer calamidade. Temos apoio e damos recursos para que se façam obras e obras preventivas também. Só em 2009 o Daee repassou R$ 100 milhões para obras de prevenção a enchentes. O Estado dá apoio aos municípios de acordo com sua capacidade. Nem tudo pode ser resolvido através do Estado, naturalmente.

APJ – De alguma forma, será necessária cooperação com o Ministério de Integração para o trabalho de recuperação das áreas atingidas? Em caso afirmativo, o senhor vislumbra boa possibilidade de interlocução com o governo federal?
Goldman-
Evidentemente quando o Ministério da Integração Regional quiser nos mandar recursos para enfrentar estas dificuldades que temos, vamos receber. Mas não ficamos esperando que os recursos venham. Se preciso, cancelamos recursos de outras áreas, em situações de calamidade, mas não tem como ficar esperando o recurso federal e nem esperando que caia alguma melhor do céu, fora água. Cancelamos outras despesas eventuais para suprir as necessidades em casos de calamidade. Em calamidade pública, não dá para pensar muito, tem que fazer.

Fábio Zambeli
Da Associação Paulista de Jornais

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